Eis a entrevista.
Quais consequências as delações da Odebrecht terão para o governo?
O governo Temer deve sobreviver - acho que ele deve cumprir o seu mandato. E deve também fazer as reformas com as quais vem se identificando. O apoio do Congresso continua forte.
A forma como a política é feita vai mudar? Haverá mudanças na relação entre partidos e empresas?
Isso certamente vai sofrer uma mudança radical. Mas não creio que
esse expurgo da classe política assuma a mesma proporção que assumiu na Itália [após a Operação Mãos Limpas,
nos anos 1990]. Vai ser forte, mas não com a radicalidade da situação
italiana. Acho muito difícil que partidos mais enraizados, como PT, PSDB e PMDB, saiam do mapa. Acho que eles ficarão, porque inclusive fora deles não há nada de novo surgindo.
Novos partidos, como Rede, PSOL e Partido Novo, não são capazes de preencher espaços?
Dificilmente. Eles não têm quadros, não têm programa. O PSOL é muito parecido com o que o PT foi em determinado momento, com a denúncia da corrupção e [a defesa da] ética na política. Mas qual o programa econômico do PSOL?
Com a crescente rejeição popular à política tradicional, há possibilidade de surgimento de outsiders?
O outsider é
uma possibilidade real - para o bem e para o mal. Tem vários tentando
furar esse nevoeiro e se projetar como alternativa. Por ora, nenhum
deles é muito atraente.
Haverá algum esforço dos grandes partidos para estancar danos?
Acho que sim, a reforma política
vem aí. Não vem de forma muito aprofundada porque as circunstâncias não
permitem. A cláusula de barreira deve vir, assim como a interdição das
coligações eleitorais nas eleições proporcionais. Isso já tem um efeito
muito saneador do quadro atual.
Na história brasileira, momentos de grande turbulência - como
as revoltas do século 19 - se intercalam com momentos de acomodação de
interesses e transições pacíficas, como na Independência. Qual
característica vai predominar na crise atual?
A grande massa, por ora - e isso pode mudar -, está apenas sentindo e
observando de longe esses fatos. Esses fatos têm tido muito peso, muita
vocalização na mídia.
Uma coisa que se tem de considerar na política brasileira hoje é que a
mídia se tornou ator político de peso considerável, mas ela não tem
braço, não tem mãos. Tem apenas voz.
Não tivemos ainda as crises da Regência [período de grande
turbulência entre a abdicação de dom Pedro 1º e o governo de seu filho,
Pedro 2º]. Elas (as pessoas) não estão se manifestando. É visível o
silêncio das ruas em relação a tudo isso. Mas os partidos, as
personalidades políticas sobreviventes podem procurar um caminho de
salvação mútua. Isso está em curso. Será possível? Não sei, dependerá da
habilidade e criatividade deles e, ao mesmo tempo, de que aceitem
perdas. Esses partidos não poderão mais ser o que eram, vão ter que
passar por mudanças.
Haverá uma renovação de pessoas. Não talvez com a carga necessária,
porque se se olha toda movimentação que tem havido, há pouquíssimos
quadros novos. Não surgiu quase ninguém [com os protestos] em junho de 2013. A
política brasileira tem sido muito pouco permeável a novas lideranças.
Essa hora poderá ser a da grande mudança geracional? Tomara, mas depende
de como vem essa geração. Porque, a tomar por algumas manifestações,
elas não suscitam muita esperança.
O grande público não está tão abalado pelos acontecimentos?
Se olharmos o registro das ruas, acho que não.
Como a situação atual se compara com outros grandes momentos da história brasileira?
Certamente tudo isso vai ser lembrado. Agora, o que temos de novo aí? Primeiro o protagonismo da mídia. Segundo, do Judiciário.
Ambos parecem que vieram para ficar. Mas a política deve reagir a isso.
O Brasil é muito grande. É muito diverso. É muito difícil haver formas
muito vertebradas de expressão, no sentido de que unifiquem classes e
regiões, dada a diversidade e a desigualdade existentes.
Vejo esse momento com preocupação, mas serenidade, inclusive porque um ator determinante na vida republicana brasileira, as Forças Armadas, tem procurado ficar à margem do conflito. Só isso garante uma serenidade muito grande.
Nenhum dos atores que estão aí tem força para cortar, romper. Qual
seria a expectativa? De que as ruas irrompessem. Se irromperem, de fato
passaremos por poderosíssimas turbulências, com resultados absolutamente
imprevisíveis. Não se sabe o que poderia acontecer no final. Um Bonaparte? É hora do Bonaparte sair há muito tempo, mas até agora ele não se fez presente.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não chega a ser um Bonaparte?
Não, porque Bonaparte tinha armas na mão. Já Bolsonaro, o que ele pode ter? A rua. Mas ele não tem rua.
E o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB)?
Pode ser. Mas este é um candidato do sistema, de um grande partido.
Lula chega forte em 2018, apesar das denúncias contra ele?
Chega. Ele tem um eleitorado cativo que não vai abandoná-lo, inclusive porque, falando na diversidade do país , o Lula é muito representativo disso, do Nordeste,
dos subordinados da sociedade. Ele tem lastro. Esse lastro será
inteiramente perdido? Só saberemos na hora da urna. Algumas
manifestações parecem indicar que ele continua com apoio significativo
em setores do eleitorado.
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