segunda-feira, 17 de abril de 2017

É visível o silêncio das ruas em relação a Lava Jato.

Professor de Ciência Política da PUC-RJ, Luiz Werneck Vianna avalia que as delações da Odebrecht têm tido repercussão muito maior na imprensa do que nas casas dos brasileiros. "É visível o silêncio das ruas em relação a tudo isso".


Eis a entrevista.

Quais consequências as delações da Odebrecht terão para o governo?
O governo Temer deve sobreviver - acho que ele deve cumprir o seu mandato. E deve também fazer as reformas com as quais vem se identificando. O apoio do Congresso continua forte.
A forma como a política é feita vai mudar? Haverá mudanças na relação entre partidos e empresas?
Isso certamente vai sofrer uma mudança radical. Mas não creio que esse expurgo da classe política assuma a mesma proporção que assumiu na Itália [após a Operação Mãos Limpas, nos anos 1990]. Vai ser forte, mas não com a radicalidade da situação italiana. Acho muito difícil que partidos mais enraizados, como PT, PSDB e PMDB, saiam do mapa. Acho que eles ficarão, porque inclusive fora deles não há nada de novo surgindo.
Novos partidos, como Rede, PSOL e Partido Novo, não são capazes de preencher espaços?
Dificilmente. Eles não têm quadros, não têm programa. O PSOL é muito parecido com o que o PT foi em determinado momento, com a denúncia da corrupção e [a defesa da] ética na política. Mas qual o programa econômico do PSOL?
Com a crescente rejeição popular à política tradicional, há possibilidade de surgimento de outsiders?
O outsider é uma possibilidade real - para o bem e para o mal. Tem vários tentando furar esse nevoeiro e se projetar como alternativa. Por ora, nenhum deles é muito atraente.
Haverá algum esforço dos grandes partidos para estancar danos?
Acho que sim, a reforma política vem aí. Não vem de forma muito aprofundada porque as circunstâncias não permitem. A cláusula de barreira deve vir, assim como a interdição das coligações eleitorais nas eleições proporcionais. Isso já tem um efeito muito saneador do quadro atual.
Na história brasileira, momentos de grande turbulência - como as revoltas do século 19 - se intercalam com momentos de acomodação de interesses e transições pacíficas, como na Independência. Qual característica vai predominar na crise atual?
A grande massa, por ora - e isso pode mudar -, está apenas sentindo e observando de longe esses fatos. Esses fatos têm tido muito peso, muita vocalização na mídia. Uma coisa que se tem de considerar na política brasileira hoje é que a mídia se tornou ator político de peso considerável, mas ela não tem braço, não tem mãos. Tem apenas voz.
Não tivemos ainda as crises da Regência [período de grande turbulência entre a abdicação de dom Pedro 1º e o governo de seu filho, Pedro 2º]. Elas (as pessoas) não estão se manifestando. É visível o silêncio das ruas em relação a tudo isso. Mas os partidos, as personalidades políticas sobreviventes podem procurar um caminho de salvação mútua. Isso está em curso. Será possível? Não sei, dependerá da habilidade e criatividade deles e, ao mesmo tempo, de que aceitem perdas. Esses partidos não poderão mais ser o que eram, vão ter que passar por mudanças.
Haverá uma renovação de pessoas. Não talvez com a carga necessária, porque se se olha toda movimentação que tem havido, há pouquíssimos quadros novos. Não surgiu quase ninguém [com os protestos] em junho de 2013. A política brasileira tem sido muito pouco permeável a novas lideranças. Essa hora poderá ser a da grande mudança geracional? Tomara, mas depende de como vem essa geração. Porque, a tomar por algumas manifestações, elas não suscitam muita esperança.
O grande público não está tão abalado pelos acontecimentos?
Se olharmos o registro das ruas, acho que não.
 Como a situação atual se compara com outros grandes momentos da história brasileira?
Certamente tudo isso vai ser lembrado. Agora, o que temos de novo aí? Primeiro o protagonismo da mídia. Segundo, do Judiciário. Ambos parecem que vieram para ficar. Mas a política deve reagir a isso. O Brasil é muito grande. É muito diverso. É muito difícil haver formas muito vertebradas de expressão, no sentido de que unifiquem classes e regiões, dada a diversidade e a desigualdade existentes.
Vejo esse momento com preocupação, mas serenidade, inclusive porque um ator determinante na vida republicana brasileira, as Forças Armadas, tem procurado ficar à margem do conflito. Só isso garante uma serenidade muito grande.
Nenhum dos atores que estão aí tem força para cortar, romper. Qual seria a expectativa? De que as ruas irrompessem. Se irromperem, de fato passaremos por poderosíssimas turbulências, com resultados absolutamente imprevisíveis. Não se sabe o que poderia acontecer no final. Um Bonaparte? É hora do Bonaparte sair há muito tempo, mas até agora ele não se fez presente.
O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) não chega a ser um Bonaparte?
Não, porque Bonaparte tinha armas na mão. Já Bolsonaro, o que ele pode ter? A rua. Mas ele não tem rua.
E o prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB)?
Pode ser. Mas este é um candidato do sistema, de um grande partido.
Lula chega forte em 2018, apesar das denúncias contra ele?
Chega. Ele tem um eleitorado cativo que não vai abandoná-lo, inclusive porque, falando na diversidade do país , o Lula é muito representativo disso, do Nordeste, dos subordinados da sociedade. Ele tem lastro. Esse lastro será inteiramente perdido? Só saberemos na hora da urna. Algumas manifestações parecem indicar que ele continua com apoio significativo em setores do eleitorado.

O principal problema do Brasil não é a corrupção, mas a desigualdade.

“A corrupção se dá em países que têm alta desigualdade social e num Estado que é apropriado por elites”, diz Rudá Ricci à IHU On-Line. Para ele, esse é o quadro do Brasil, onde “as elites ingressam no Estado, capturam os fundos públicos e pagam os gestores para receber esses fundos”. Para romper com essa lógica, assevera, “tem que atacar a desigualdade social e fazer o Estado ser transparente”. E critica: “Há quem ache que corrupção é uma questão de foro íntimo, de desvio de comportamento, quando na verdade a corrupção é do sistema; essa ideia é típica de jovem que nunca atuou no Estado, que não sabe como se fazem, inclusive, as pequenas corrupções morais, quando a pessoa chega ao restaurante e todo mundo aplaude, cedem o lugar para ela sentar e a pessoa come e não paga a conta. É isso que a transforma. A pessoa vira capa de revista e acaba tendo um poder de servidor público que não poderia ter. Isto é corrupção: achar que se é maior do que um cidadão comum”.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line quando esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, participando do “VI Seminário dos Observatórios. Democracia, Políticas Públicas e Informação”, Rudá também faz uma avaliação das principais disputas existentes no PT e menciona que a “queda de potência do PT vem obrigando o partido a se realinhar”, embora nem todos os dirigentes concordem com isso, já que muitos “vivem disso”, “se profissionalizaram na política, e toda a sobrevivência, inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é evidente que nesse momento há uma resistência pela sobrevivência”. Na avaliação dele, a questão central em debate no partido hoje é “ou a atual direção do PT se mantém e esfacela o partido, ou cede espaço para novas correntes ou correntes de oposição, embora não saibamos para onde essa mudança levará o partido”. E conclui: “Está chegando a hora da verdade para o PT, o que deveria ter ocorrido há anos, já em 2013, naquelas manifestações”.

Rudá Ricci (Foto: Arquivo pessoal/Twitter)
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como analisa a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 241?
Rudá Ricci – Se a proposta é fazer cortes, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal determina um controle sobre o gasto. Isso significa, portanto, que a PEC está criticando a Lei de Responsabilidade Fiscal ao apontar que se trata de uma lei frágil. Ao invés de instituir a PEC, precisávamos ter claro, em primeiro lugar, como e em que áreas os gastos devem ser cortados. O Brasil está entre a nona e a oitava economia do mundo, e é o país mais rico da América Latina, mas estamos abaixo da média da desigualdade social nesse território, segundo o IDH-D (Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade). Portanto, estamos falando de um país que é muito rico, mas que tem muitos pobres, ou seja, é um país absolutamente injusto socialmente.
O problema é que no Brasil nós forjamos uma elite, inclusive intelectual, que se forma dentro de uma cultura estamental e é daí que vem esse discurso absolutamente insensível da meritocracia. Como eu posso dizer que sou o melhor se eu sempre tive condições de chegar a ser doutor ou pós-doutor? O Brasil, na área educacional, é um funil, pois somente 2% a 5% de quem entra na educação infantil sai da faculdade com emprego. Então, se temos que fazer cortes, não daria para fazê-los justamente nas políticas sociais, que geram não só a proteção social, mas contribuem para que um dia as pessoas possam disputar com a elite, se é o caso.
Então, onde deveriam fazer o ajuste? Em primeiro lugar na sonegação de impostos, que perfaz hoje, segundo o Banco Mundial, 13,6% do PIB. Só aí teríamos a resolução dos nossos problemas. O segundo aspecto seria aumentar o imposto sobre as grandes fortunas; além disso, temos que cortar a famosa “bolsa empresário” e diminuir a distância entre o topo das escalas das funções de Estado com a base. Temos muitas possibilidades de cortes que não esses que atingem os pobres.
Essa PEC é ignorante e foi formulada completamente sem base técnica. Para termos uma ideia, o maior especialista em estudos de retorno de investimento público, o inglês David Stuckler, que esteve no Brasil recentemente, prova que as áreas que têm menor gasto a médio e longo prazo, se investirmos hoje, são educação e saúde. Isso significa que o corte que o governo fará em educação e saúde terá um impacto negativo no futuro. Não adianta o governo falar que não terá corte, porque a população brasileira crescerá em 20 milhões nos próximos 20 anos, e exatamente porque haverá um crescimento per capita e teremos nesse período a mesma média de gasto, mesmo corrigido pela inflação, haverá queda de recursos. O problema é que gastaremos muito mais depois dessas duas décadas.
É um absurdo e uma irresponsabilidade pública o que estão propondo com essa PEC
Stuckler mostra que aumentou o número de doenças, inclusive de doenças contagiosas, e aumentou também o número de suicídios em locais que fizeram cortes como os sugeridos pela PEC 241. Na Europa, depois das propostas de austeridade orçamentária, foram registrados 12% de suicídios e, em alguns países como a Grécia, o índice chegou a 17%. Portanto, é um absurdo e uma irresponsabilidade pública o que estão propondo com essa PEC. Se a PEC passar, esses deputados, senadores e governos pagarão duramente nos livros de história.
IHU On-Line – Sua sugestão então é que haja um aumento do gasto estatal, já que, mesmo gastando, o Brasil continua um país muito desigual?
Rudá Ricci – É evidente que temos que aumentar os gastos nas áreas que nos interessam. É a velha discussão: o que nos interessa nesse momento, ter pesquisa de ponta e investir na elite ou fazer com que este país tenha mais pessoas que possam pesquisar se elas tiverem condições de ascenderem socialmente e se tornarem classe média? Essa é uma opção política do país. O Brasil sempre opta pela elite, o dinheiro vai para a elite e nunca vai para os mais pobres; quando fazemos qualquer ação, mínima que seja, na direção oposta, vem logo uma reação ultraviolenta para retirar o básico. A proposta da PEC 241 e as outras, como a da Reforma da Previdência, fazem o Brasil voltar para antes dos anos 1950; estamos andando rapidamente para o atraso.
IHU On-Line - Fazendo uma retrospectiva do que foi o governo Lula, houve uma tentativa de avançar na construção de políticas públicas e de romper com esse modelo que o senhor descreve, ou não?
Rudá Ricci – O governo Lula ainda tem que ser muito bem estudado, não tanto em termos de informação, mas em termos de análise. O governo Lula não teve proposta nenhuma de esquerda, ele teve propostas rooseveltianas e do New Deal, que consistia em ter um Estado orientador dos investimentos da iniciativa privada, e o subsídio do gasto popular para transformar o trabalhador em um consumidor da indústria nacional.
IHU On-Line - Mas os resultados brasileiros foram diferentes dos Estados Unidos?
O problema do Lula é político: ele fez o Brasil dar um passo para trás fazendo acordos da Velha República
Rudá Ricci – Foram mais ou menos iguais. Nos EUA houve uma retomada da indústria, como aconteceu aqui no Brasil, e a cada ano subimos um ou dois postos no ranking do PIB nacional no mundo; houve uma queda de 50% dos miseráveis no Brasil e praticamente se chegou ao que se denomina de desemprego zero ou pleno emprego, com 5% de desempregados - agora estamos com 12%. Ou seja, a situação melhorou muito.
O Lula também optou por outras políticas neoliberais: o Programa Bolsa Família é uma proposta do Milton Friedman, logo, é uma proposta neoliberal. A ideia do Bolsa Família é a de que o Estado dá um recurso para fazer com que as famílias se tornem consumidoras e isso alavanca o pequeno mercadinho do bairro.
Qual é o grande problema do governo Lula? É que ele tutelou a sociedade civil e não aumentou o controle social sobre o Estado. Na medida em que ele centralizou a política no próprio governo federal e aumentou as alianças institucionais de cúpula, ele criou a sua própria arapuca. O problema do Lula é político: ele fez o Brasil dar um passo para trás fazendo acordos da Velha República. Ele poderia ter avançado para uma verdadeira democracia, mas não foi por esse caminho, fez um pacto entre elites, e aí estamos vendo o resultado.
IHU On-Line – Parte da militância petista ainda aposta numa mudança do PT e na sua renovação. Diante desse desejo, será possível retomar o lulismo?
Rudá Ricci – Não há possibilidade do lulismo como o conhecemos. O pacto desenvolvimentista rooseveltiano tem três vértices: um Estado orientador, com alta concentração orçamentária – 65% do orçamento público está na União; um investimento forte para subsidiar os gastos populares, das famílias em especial; e um terceiro vértice - esse acabou -, um pacto com as empresas para, através de recursos do Estado, fazer investimentos orientados para aquela política forjada no pacto. O alto empresariado, em especial a Fiesp - porque nem todas as federações de empresas entraram nessa aventura -, resolveu radicalizar e conspurcar o governo e uma política de transferência de renda. Eles resolveram jogar tudo o que eles podem para, de novo, concentrar renda e investimentos em São Paulo, não mais no Nordeste.
Vamos lembrar que nos anos do lulismo houve um aumento de 650% dos investimentos do BNDES para o Nordeste, e mesmo com esse aumento absurdo, o Nordeste só levava 16% do bolo de recursos do BNDES, todo o restante ia para o Centro-Sul. Mas essa pequena mudança gerou uma revolta do empresariado paulista. O empresariado paulista vive a síndrome da Revolução de 1932, que foi contra o Getúlio; paulista tem esse problema, se eles não mandam no Brasil, eles não brincam mais.
IHU On-Line - Mas o senhor acha que a crise geral da economia e o fim do lulismo podem ser explicados por essa questão envolvendo o empresariado?
Nós viramos o país da desilusão, da frustração, e não se constrói uma nação desse jeito
Rudá Ricci – Não, a crise econômica brasileira tem uma série de fatores. O mais recente foi o pacote que a Dilma Rousseff baixou em janeiro de 2015; ali ela girou a roda da recessão.
A recessão brasileira não é de natureza econômica, ela poderia até chegar a isso, mas a recessão brasileira é de natureza político-administrativa. O pacote elaborado por Joaquim Levy, que é o pacote do Bradesco, é um pacote de desmonte do Estado social brasileiro. Ele foi o início, mas é lógico que não esperávamos que a situação chegasse ao Temer, com essa política suicida de esgarçamento do tecido social. O Temer está quebrando todos os elementos do pacto do Estado social que o Brasil montou desde Getúlio Vargas. Esses políticos terão que pagar por isso, pois realmente estão colocando o Brasil em choque, brasileiro contra brasileiro. Dados do Latinobarômetro revelam que o grau de confiança interpessoal no Brasil, ou seja, a confiança do brasileiro no brasileiro, só atinge 3% dos brasileiros. Então, nós viramos o país da desilusão, da frustração, e não se constrói uma nação desse jeito. O governo Temer acelera cada vez mais essa situação.
IHU On-Line - Havia alternativas para além do ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy? Qual?
Rudá Ricci – Evidente que poderia haver alternativa. Nós teríamos condições de fazer alguns ajustes de gastos, sem dúvida nenhuma, algumas políticas de controle, inclusive de recuperação de recursos de evasão fiscal de sonegação de impostos. À época, o Brasil tinha que optar: queremos dar mais dinheiro para quem é rico ou queremos fazer com que a população que sempre esteve abaixo da linha de pobreza, ou na pobreza, tenha suas condições de vida e de dignidade mantidas.
Vamos lembrar que grande parte das dívidas privadas das grandes empresas brasileiras vai para o Estado, o Proer foi isso. A imprensa brasileira só vive com anúncios, porque se tirarmos os anúncios dos jornais, os jornalões brasileiros e grande parte da imprensa brasileira vão à falência, ou seja, nem capitalistas eles são. O fato é que esse dinheiro de anúncio deveria ser proibido imediatamente para blog e jornais. Não tem por que um governo fazer propaganda em imprensa privada, pois isso significa comprar, e a imprensa passa a fazer propaganda para o partido que governa. Eu não compro um jornal pensando que é um panfleto eleitoral, se eu quiser dar dinheiro para um partido, eu dou; agora, eu compro um jornal para me dar notícias. Portanto, temos aqui um desvirtuamento. Estou citando o caso da imprensa no Brasil para mostrar como ela é atrasada e como as empresas brasileiras abocanham, através de lobby ilegal, dinheiro do Estado.
Aliás, a acusação contra o Lula é que ele fez lobby com empresas brasileiras; ora, se ele fez lobby, então o lobby existe. E só o presidente será punido? O empresário, não? Todas as grandes empresas brasileiras – Globo, Tam – pegaram dinheiro do BNDES no último período, e a juros baixos, e agora vão falar que o problema é a Previdência, o salário mínimo indexado, os recursos para educação e saúde? Esse pessoal está fazendo uma escolha que parece completamente desumana e isso tem um preço político, pois em algum momento essa fatura será paga.
IHU On-Line – Qual é a situação do PT hoje? O que se pode esperar do racha que existe no partido?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, precisamos falar do tamanho do PT. Nesse momento, o PT é um partido médio, como o PDT. O fato é que essa queda de potência do PT vem obrigando o partido a se realinhar. O que tem sido esboçado, nesse momento, inclusive com participação do Lula nessas discussões, é a convocação de um congresso para o primeiro semestre do ano que vem. Nesse congresso, primeiramente, se faria uma revisão das bases programáticas do partido, as atuais direções declinariam da capacidade de comando do partido e se convocariam novas eleições da direção do PT no país inteiro.
Mas a grande questão em discussão é que, nesse momento, a corrente majoritária, a Construindo um Novo Brasil - CNB, seria alijada ou diminuiria seu poder dentro do PT, porque foi ela que conduziu o partido para esse desastre. Essa é a discussão que hoje está muito intensa dentro do partido. As três principais correntes do PT vêm discutindo de maneira muito pesada. A CNB é a principal corrente, à qual o Lula está ligado, e ele próprio vem cedendo ou abrindo essa discussão, mas outros dirigentes da CNB nem aceitam essa possibilidade. A Mensagem ao Partido, que é ligada ao ex-governador Tarso Genro, ao prefeito Fernando Haddad e ao Paulo Teixeira, deputado federal por São Paulo, está propondo essa rearticulação, com a eleição de um presidente que seja oposição à atual direção. Depois tem a Articulação de Esquerda, coordenada pelo Valter Pomar, que propõe uma mudança radical da orientação do PT e uma aproximação do partido com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda, baixando a arrogância petista e percebendo que em alguns lugares o PT não é mais hegemônico e terá que ceder. Essa é a discussão do momento do PT.
A questão é: ou a atual direção do PT se mantém e esfacela o partido, ou cede espaço para novas correntes ou correntes de oposição, embora não saibamos para onde essa mudança levará o partido. Mas, sem mudança, o PT se arrisca a ser um partido pequeno, e não mais um partido médio.
IHU On-Line - Há muita resistência interna em fazer essa mudança?
Rudá Ricci – O problema é que há muitos dirigentes que vivem disso, que se profissionalizaram na política, e toda a sobrevivência, inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é evidente que nesse momento há uma resistência pela sobrevivência. Acontece que o PT não é só dessas direções, o PT está envolvido com milhares de militantes políticos.
Está chegando a hora da verdade para o PT, o que deveria ter ocorrido há anos, já em 2013, naquelas manifestações. Aquele era o momento de o PT ter revisto que tinha perdido as ruas, porque quando começaram as acusações contra o Lula no caso do mensalão, em 2005, ele se reelegeu porque chegou a ameaçar a colocar as ruas contra a direita e, portanto, a direita recuou. Mas agora não tem mais essa ameaça; ela virou blefe. A direção do partido tem que assumir a responsabilidade por ter conduzido o partido para esse desastre.
IHU On-Line - Dessas três correntes principais, alguma delas é mais forte dentro do partido ou tem mais condições de conduzir esse processo de mudança?
Rudá Ricci – A que me parece ter mais condições de conduzir esse momento é a Mensagem ao Partido, que é a mais equilibrada no sentido de ter muito contato com a CNB, mas também tem contato com as outras correntes mais à esquerda do PT. Além disso, essa corrente tem figuras públicas de grande projeção nacional e internacional, como o ex-governador Tarso Genro, por exemplo, e os seus dirigentes são muito técnicos. Essa corrente, nesse momento, parece que não esgarçaria tanto o partido. Claro que há outras correntes de esquerda muito capacitadas, mas, talvez, esgarçassem muito a relação interna com a direção atual e não haveria uma transição tranquila. Em um momento que nós estamos vivendo num país em ebulição, talvez a melhor condução seja ir mais devagar.
IHU On-Line – Desde a crise do governo Dilma há uma discussão em torno da possibilidade de o ex-presidente Lula voltar a ser candidato à presidência em 2018. Hoje ainda existe essa possibilidade, dado o resultado das eleições municipais?
Rudá Ricci – Ainda existe, claro, tanto existe que estão tentando prendê-lo sem uma acusação plausível ou sem provas. Quando se ataca e se “caça” um ex-presidente da República duas vezes, com uma projeção nacional como essa, é porque ele é um risco. Acusação por acusação, existem acusações ao Fernando Henrique Cardoso e ao Aécio Neves, mas ninguém faz essa “caça” a essas personalidades, deixando correr um processo e vendo se é possível ter mais provas contundentes ou não. Às vezes, temos que pensar um pouco no equilíbrio político do país para não levar o Brasil a uma aventura. É possível ser justo sem açodar, sem desequilibrar o país. No caso do Lula, as ameaças diárias contra ele mostram um açodamento e um certo desespero de tirá-lo do páreo. Por que estão querendo tirá-lo do páreo? Porque em todas as pesquisas realizadas até agora, o Lula aparece em primeiro lugar e em segundo lugar aparece a Marina.
IHU On-Line – Mesmo com o resultado das últimas eleições municipais, o senhor ainda aposta numa vitória do Lula em 2018?
Até a vitória do Lula em 2002, o PT não chegava nem perto do que era o Lula. O Lula é uma liderança popular
Rudá Ricci – Mas ele é muito maior que o PT, sempre foi. Até a vitória do Lula em 2002, o PT não chegava nem perto do que era o Lula. O Lula é uma liderança popular.
Por que o Lula e a Marina são os dois primeiros nas pesquisas? Porque eles não têm cara de classe média, porque a maioria dos eleitores brasileiros é pobre. Não adianta a classe média, a minha classe social, ficar batendo panela, porque não elegerá um presidente. Nós somos 25% da população, nós não vamos eleger presidente; quem elege são os trabalhadores. Se a classe média conseguir convencer os trabalhadores, muito bem, se não, a eleição terá cara de Marina e Lula.
IHU On-Line – Mas a Marina já declarou que não sabe se vai concorrer nas próximas eleições.
Rudá Ricci – Ela está sendo inteligente, porque é muito cedo. Nesse momento eu diria que temos três nomes fortes para concorrer à eleição presidencial, e uma pessoa no banco. Os três nomes, levando em conta que não temos dados de pesquisa depois da eleição municipal, seriam Lula, Marina e Alckmin. O Alckmin foi o grande vitorioso dessas eleições municipais e é o dono do bastão para 2018 no PSDB. Ele fechou as portas do Aécio Neves, tanto que o Aécio está colando no governo Temer para ter algum lugar.
Quem está na reserva é Ciro Gomes, só que ele, pela lógica que eu estava dizendo, tem cara de classe média e não tem base social ampla. Além disso, o programa que ele defende sempre é muito confuso, meio liberal com forma radical de esquerda. É como se fosse uma espécie de bombom: a casquinha é durinha e por dentro é meio mole; não sabemos direito para onde ele vai.
IHU On-Line – A esquerda tem apostado no Freixo nas eleições municipais do Rio de Janeiro? Há possibilidade de ele se eleger?
O PSOL tem o mesmo problema do PT na origem: é um partido de classe média
Rudá Ricci – O PSOL é muito novo e é muito difícil o Freixo se eleger: a última pesquisa dava 50% para o Crivella e 25% para o Freixo; a distância é gigantesca. A não ser que aconteça algum fato político nos próximos dias, é muito difícil o Freixo vencer, mas ele foi para o segundo turno. O fato é que agora o PSOL é uma força política, se não da mesma grandeza do PT, muito próxima nesse momento, mas isso não significa que tenha força para eleger um presidente. O PSOL tem o mesmo problema do PT na origem: é um partido de classe média; Freixo e Luciana Genro têm cara de classe média. A Erundina era a candidata com mais cara de povão, mas o PT declarou voto útil e desidratou a candidatura da Erundina. O Edmilson, no Belém do Pará, tem cara de povão, mas estamos vendo o que aconteceu.
Porém, há nomes muito jovens no campo da esquerda, que, se não serão candidatos competitivos, começam a mostrar uma nova geração de lideranças, não exatamente partidárias, como é o caso do Guilherme Boulos. Ele é um nome muito importante hoje no Brasil, um jovem com uma formação política, é muito equilibrado, uma pessoa de muita escuta e com uma liderança de massa incontestável: ele coloca 25 mil pessoas, brincando, ao redor do Itaquerão – Estádio do Corinthians. Várias vezes ele liderou o cercamento do apartamento do Michel Temer em São Paulo, mesmo a polícia falando que iria reagir e reagiu. Mas várias outras lideranças estão surgindo, em nichos de representação, como é o caso da Márcia Tiburi com a #partidA, no movimento feminista, que vem sendo uma liderança cada vez mais respeitada, também de classe média e intelectual.
IHU On-line - Mas esse tipo de movimento feminista ainda pode “colar” no Brasil?
Rudá Ricci – Acredito que a soma “cola”. O Lula fragmentou as demandas, e os governos lulistas acabaram fragmentando essas demandas e organizações. A sociedade brasileira, assim como a mundial, vem socialmente se fragmentando e isso fortaleceu os movimentos identitários – movimento negro, feminista, LGBT. Então, a grande questão do campo popular democrático e de esquerda é como fazer uma costura dessa fragmentação e isso leva um tempo, mas está sendo feito.
IHU On-Line – Alguns fazem uma crítica a esse movimento no sentido de que a direita também pode assumir pautas identitárias, como se pode observar em São Paulo, na eleição de Fernando Holiday, que é negro, gay e pobre.
Rudá Ricci – Esse menino é uma fantasia, tanto que ele se chama Holiday.
IHU On-Line – Mas ele recebeu muitos votos, inclusive nas periferias.
Rudá Ricci – Ele ganharia de qualquer jeito, mas a direita não entra nesses movimentos, ela vai ter que “comer muito feijão” para entrar nesses movimentos, porque inclusive esses candidatos foram financiados pelo PSDB, PMDB, pela Fiesp.
IHU On-Line – Mas há uma crítica de que quando a esquerda valoriza mais as pautas identitárias em relação a outras, ela deixa de lado questões como a situação real dos trabalhadores que, como o senhor disse, são a base do eleitorado da esquerda. Não concorda?

Rudá Ricci – Eu acho que está acontecendo o inverso: esses movimentos identitários, em função da extrema-direita e das políticas do governo Temer, estão caminhando para a esquerda. Por exemplo, as organizações de favela estão criando o partido Frente Favela Brasil e percebendo que, com a cláusula de barreira estabelecida, nem vão conseguir fundar o partido. Então, eles vão se juntar a outros movimentos e partidos e terão que se fundir para criar um partido. Nesse caso, terão que negociar com outros movimentos identitários e a tendência é que esses movimentos caminhem para a esquerda. Alguns movimentos com pautas específicas, como saúde e habitação, que são muito pragmáticos e negociam com qualquer governo, também estão tendo que caminhar para a esquerda, porque o atual governo está destruindo essas pautas.
IHU On-Line – No PT há uma divergência acerca de como o Lula deveria se posicionar em relação à Lava Jato desde que ele virou réu. Alguns defendem a sua saída do país e outros argumentam que seria melhor ele ficar e, se for preso, sair como um mártir. O que lhe parece mais adequado?
Rudá Ricci – É muito difícil falar da vida de uma pessoa que está sendo “caçada”. Primeiro tem uma dimensão individual que é inalienável, quer dizer, não posso dizer o que o Lula tem que fazer de uma maneira categórica por ser um personagem político, porque ele tem família, currículo, uma história pessoal e é uma figura pública. Nos EUA, por exemplo, ex-presidentes têm um cargo público e há um respeito por eles pelos serviços prestados, mesmo se o presidente esteve envolvido em um escândalo sexual com uma estagiária. Há uma autocensura e um autocontrole de como se respeita a autoridade. As noções de autoridade e hierarquia são uma fantasia, mas se não respeitamos essa aura da autoridade pública, destruímos todas as relações institucionais e, inclusive, a lei. Então, tem que haver um certo limite, e nós estamos destratando os ex-presidentes da República no Brasil. Com essa história toda, tenho que dar um passo atrás e respeitar os temores, as depressões, os medos de uma pessoa que está sendo “caçada” e que tem um currículo como o do Lula.
Como cientista político, eu diria que a pior saída seria ele pedir asilo, porque ele ficaria muito longe de um país que não está numa ditadura, mas num estado de exceção, o que é diferente, ou seja, nós continuamos tendo respeito à Constituição e à Ordem democrática, porém, na franja da legislação brasileira, algumas autoridades públicas estão cometendo excessos e criando essa lacuna de exceção, de acusação sem prova, de penalização antecipada e de destruição de currículos.
Lula, estando fora do país, não teria como se defender. Nesse caso, a melhor aposta é se transformar num “Mandela brasileiro”, num mártir, mas é uma aposta. Chegamos a esse estado de exagero no Brasil, em que temos uma aposta numa grosseria radical, primária, selvagem: ou se prende e se elimina uma pessoa da política, ou se prende a pessoa e ela se transforma num mártir. É preciso chegar a isso? Estamos numa situação tão degradante para jogar no tudo ou nada? Não é a hora de o país ter um equilíbrio e de parar com essa “caça” absurda que está sendo feita por pessoas jovens, que sofreram pouco na vida e têm pouca experiência, decidindo sobre a vida de pessoas com mais de 70 anos? Estou falando do Lula, mas também do Fernando Henrique. É como diz o Nelson Rodrigues: “O que se espera do jovem? Que envelheça”. Portanto, está na hora de parar de ficarmos vivendo com adrenalina; precisamos viver com o cérebro.
IHU On-Line – Diante dos casos de escândalos, a sua leitura é a de que a Lava Jato tem como finalidade “caçar” o ex-presidente Lula?
A Lava Jato está prestando um desserviço ao Brasil
Rudá Ricci – A Lava Jato está prestando um desserviço ao Brasil; é um exagero. Podemos compará-la a uma situação numa escola em que há casos de furto e, por conta disso, se comece a pregar o terror, a bater na porta da casa das crianças para falar com os pais, a expulsar os alunos. Nesse momento a Lava Jato descarrilhou, perdeu o controle e está virando um instrumento político. Tenho certeza de que se o Ulysses Guimarães estivesse vivo, ele já teria feito algum tipo de movimentação. Alguém tem que dizer que não é assim que se constrói um país, destruindo-o inteiro. Essa ideia de que vem um salvador, uma pessoa hiper- honesta, que vai reconstruir o país, é um discurso messiânico.
IHU On-Line – Mas não há um clamor ou um desejo de acabar com a corrupção que se dá entre o setor público e o privado?
Rudá Ricci – Não há clamor nenhum. Em 2006 o Ibope fez uma pesquisa com os brasileiros e 75% deles disseram que, se fossem do governo, também fariam pequenas corrupções. Não se viu nenhuma manifestação de massa de trabalhadores falando da corrupção. Podemos ouvir e interpretar as urnas: todos os partidos hoje não merecem a atenção dos brasileiros. Entre 36 e 44% dos eleitores dos grandes centros não votaram.
IHU On-Line – Mas como interpretar esses dados? Por que o brasileiro considera que os partidos não merecem o voto?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, porque a imprensa está falando em nome da classe média e não do Brasil e usa o termo “os brasileiros” sem ter o menor cuidado de ouvir os brasileiros. Em segundo lugar, tem que ouvir os marginalizados e os pobres, tem que parar de fazer entrevista com o Temer, com o Cunha e ir para a periferia. Em terceiro lugar, precisamos colocar ordem neste país e um limite nessa história, porque em nome da corrupção está se destruindo o Estado social.
Nesta semana, em Porto Alegre, o coordenador de uma campanha foi assassinado. E qual é o motivo desse assassinato? Quer dizer que a Lava Jato resolveu a situação da corrupção? Está instigando o Brasil, e o país hoje é o primeiro do mundo em linchamento; tem um por dia. Ou seja, não é possível que achemos que um país vive na luta contra a corrupção. Não existe um país no mundo que viva assim.
A corrupção se dá em países que têm alta desigualdade social e num Estado que é apropriado por elites. Quando isso acontece, o meio de ascensão social é por meio da corrupção, ou seja, as elites ingressam no Estado, capturam os fundos públicos e pagam os gestores para receber esses fundos. O que tem que fazer para acabar com a corrupção? Tem que atacar a desigualdade social e fazer o Estado ser transparente. Há quem ache que corrupção é uma questão de foro íntimo, de desvio de comportamento, quando na verdade a corrupção é do sistema; essa ideia é típica de jovem que nunca atuou no Estado, que não sabe como se fazem, inclusive, as pequenas corrupções morais, quando a pessoa chega ao restaurante e todo mundo aplaude, cedem o lugar para ela sentar e a pessoa come e não paga a conta. É isso que a transforma. A pessoa vira capa de revista e acaba tendo um poder de servidor público que não poderia ter. Isto é corrupção: achar que se é maior do que um cidadão comum.
IHU On-Line - Não é isso que os políticos fazem em geral?
O caminho dos observatórios está dado e essa é uma das experiências mais importantes que temos no Brasil hoje
Rudá Ricci – Exatamente. Então, por que a “caça”? A única saída para combater a corrupção não é a “caça”. Se todos estiverem presos, vamos transformar o Brasil em “O Alienista” do Machado de Assis: todo mundo preso e só alguns fora. O que temos que ter claro é que precisamos diminuir as desigualdades no país e ter um Estado transparente e com menos regalia para os altos cargos. Teria que haver condições de ter um instrumento que possibilitasse, inclusive, fazer um veto popular para alguma proposta que a população considere inadequada. Então, o problema da corrupção não é o principal problema do Brasil; o principal problema é a desigualdade.
IHU On-Line – Quais os desafios e possibilidades dos observatórios nos processos de democratização da democracia?
Rudá Ricci – Os observatórios apontam um caminho correto, e a questão agora é de aumento de volume de trabalho e aumento de articulação. Os observatórios levantam dados da realidade e dos resultados de políticas públicas de um amplo território, fazem um trabalho de monitoramento e de análise desses dados e fazem formação e assessoria a gestores. A grande questão que está faltando nesse momento, como desafio para os observatórios, é aumentar o grau de informação da sociedade, inclusive com tecnologias que estão à disposição, como WhatsApp, aplicativos, material mais popular, como cartilhas, e aumentar a formação para aumentar o controle da sociedade sobre o Estado. Mas o caminho dos observatórios está dado e essa é uma das experiências mais importantes que temos no Brasil hoje.

A classe trabalhadora e a reprodução do discurso liberal

A ideologia do mérito difundida massivamente na mídia convence a população de que todos podem 'vencer na vida' (expressão muito usada pelos entrevistados) se houver, unicamente, esforço pessoal. Até os sites liberais sabem que esta constatação é falaciosa. As desigualdades estruturadas e estruturantes da sociedade são barreiras quase intransponíveis para alcançar o que a classe trabalhadora entende como 'sucesso', escreve Jordana Dias Pereira, socióloga, em artigo publicado por Fórum, 06-04-2017.

Eis o artigo.
Uma boa polêmica tomou conta de redes sociais a partir da recém-lançada pesquisa da Fundação Perseu Abramo, que aponta uma tendência das camadas de menor renda da nova classe trabalhadora para a orientação liberal.
A princípio, é importante destacar que este resultado não é uma novidade para o campo progressista. Há extensa bibliografia sobre os efeitos da ascensão social e do aumento do poder aquisitivo neste estrato social específico.
Os governos do PT, com políticas de ampliação do crédito e de aumento do salário mínimo, possibilitaram que o povo alcançasse aquilo que almejava num primeiro momento: acesso aos bens consumo (eletrodomésticos, carro, casa própria…). Isso deve ser visto como uma conquista importante da classe trabalhadora.
Deve-se refletir, no entanto, sobre o outro efeito desse alargamento do acesso ao consumo: parte dos serviços essenciais passaram a ser vistos como mercadoria e não como direito. Na ânsia de encontrar melhor atendimento médico, melhor ensino, a classe trabalhadora opta pelo que parece oferecer mais eficácia e eficiência e passa a pagar por ele. Alguns autores denominam este fenômeno como efeito da ‘inclusão pelo consumo’.
Neste sentido, pode-se dizer, com segurança, que o período das gestões Lula e Dilma foi também fortemente marcado pelo aumento da busca por serviços privados de saúde e educação. Mais adiante, esse fenômeno resultou na vitória, em São Paulo, de João Doria Junior, que usou um discurso privatista em sua campanha. Evidencia-se, assim, que o consumismo e o liberalismo sempre estiveram presentes no imaginário coletivo desta população.
Aos olhos de alguns, esta constatação pode parecer uma contradição. Qual é, afinal, a explicação para isso? Por que a classe que mais precisa de políticas públicas reverbera um discurso de menor intervenção do Estado?
Primeiramente, deve-se considerar que a imensa maioria da população ainda se informa, principalmente, pela TV aberta. Os sites e institutos liberais insistem em ignorar que há interesses econômicos que disputam a opinião dos espectadores para que elas pensem justamente dessa forma. Ora, os planos de saúde, por exemplo, têm interesse em que o maior número de pessoas faça adesão a eles. Fazem publicidade e financiam as TV’s abertas às quais a maioria da população se expõe. Interessa também aos planos de saúde, por exemplo, que o serviço público não funcione. Assim funcionam os lobbies (institucionalizados nos EUA, e ainda clandestinos no Brasil, mas muito presentes no financiamento de campanhas eleitorais). Assim, forma-se toda uma rede de mídia-empresas-políticos que torce pela falência do serviço público de saúde e adesão dos mais pobres aos convênios médicos privados. A ideologia dominante se faz presente, afinal, e impera justamente via esse circuito: mídia e consumo. Este exemplo pode ser alargado a vários outros segmentos como educação, transporte e cultura. Interessa às universidades particulares a falência das públicas; às grandes concessionárias de carros a falência do transporte público etc.
Também é um dado importante que a amostra estudada na pesquisa encontra em shoppings centers seu espaço prioritário de lazer. Assim, não é de se surpreender que ela tenha seu discurso mediado pelo consumo e pela mercantilização. O capitalismo vende como imagem de sucesso a posse de iates, mansões, carrões.
Para finalizar, é fundamental evitar distorções dos resultados: os sites liberais desconsideram a parte da pesquisa que fala sobre a diferença do discurso e da vida real e prática. Num primeiro momento, os entrevistados, que não costumam refletir muito sobre aspectos mais abstratos e conceituais, de fato, fazem discursos mais difundidos na mídia. Num segundo momento, no entanto, quando questionados sobre a vida cotidiana, as políticas públicas são muito valorizadas. A presença do Estado é sentida e desejada. Este sentimento aparece de maneira muito consistente quando falam da importância de carteira assinada, na recepção positiva ao bolsa família, na exigência de saúde pública, na necessidade do uso do transporte público e valorização das melhorias das gestões petistas na cidade de São Paulo. Seguem destaques:
O liberalismo e o discurso meritocrático levados ao limite podem ser muito cruéis com as camadas da população que já têm menos oportunidades. Ao acessar o conjunto das entrevistas realizadas pela FPA, uma salta aos olhos: uma entrevistada adulta moradora do extremo da zona leste, por exemplo, se queixou pelo fato de não ter conseguido acessar o ensino superior. Enumerou diversas razões de ordem material e prática: não tinha faculdade perto de casa, o deslocamento trabalho-casa-faculdade tomava muito tempo, não tinha dinheiro para transporte, tinha que trabalhar até tarde, teve filho cedo etc. No entanto, ao final, concluiu: “mas, se eu tivesse me esforçado mais um pouquinho, talvez estivesse melhor agora”. A ideologia do mérito difundida massivamente na mídia convence a população de que todos podem “vencer na vida” (expressão muito usada pelos entrevistados) se houver, unicamente, esforço pessoal. Até os sites liberais sabem que esta constatação é falaciosa. As desigualdades estruturadas e estruturantes da sociedade são barreiras quase intransponíveis para alcançar o que a classe trabalhadora entende como “sucesso”.
Assim, ao contrário do que dizem os sites liberais, o PT não se equivocou quando “acreditou que havia luta de classes”. Ao contrário, se equivoca quando a subestima. As gestões petistas não enfrentaram a grande mídia e não encamparam a necessária reforma da comunicação que diminuiria a influência do poder econômico sobre os meios; tampouco apresentou a reforma política que tornaria os espaços políticos de representação mais transparentes, democráticos e inteligíveis à maioria da população. E ainda não adotou políticas estruturantes para os grandes centros urbanos que constituíssem espaços públicos de lazer e sociabilidade – políticas estas que poderiam disputar a preferência da classe trabalhadora pelos shoppings centers, ao passo que estabeleceria diálogo com um sentimento latente de coletividade expresso pelos entrevistados. O PT melhorou a vida das pessoas da porta de casa para dentro, mas elas demandam também melhoras da porta de casa para fora.
E uma política que faça sentido para as pessoas deve, necessariamente, tratar da melhoria de vida delas. O desafio está colocado: como renovar a política e tratar os anseios desta população de maneira menos preconceituosa e determinista, mas fortemente compromissada com a qualidade de vida da classe trabalhadora das periferias do país?
Esta foi a primeira pesquisa da FPA sobre o imaginário da periferias de São Paulo desde o golpe de 2016. Que venham mais pesquisas e mais debates.

Nota de Repúdio à declaração da atual Ministra de Direitos Humanos a Senhora Luizlinda Valois


A Coordenação Nacional de Gênero do CEN – Coletivo de Entidades Negras, repudia veementemente a declaração da atual Ministra de Direitos Humanos a Senhora Luizlinda Valois, a qual demonstrando total desconhecimento do pensamento da maioria das mulheres negras brasileiras, elege em seu discurso, o padrinho das Mulheres Negras Brasileiras, o Sr. Michel Temer.
Ministra, fale pela Senhora, não fale por mim, não fale pelas minhas primas, irmãs, amigas e companheiras de militância.
O presidente Golpista Michel Temer NÃO É MEU PADRINHO, ele até pode ser o padrinho da Senhora, ministra... porém não é nosso.
Nós mulheres negras não entendemos que um homem branco, machista, patriarcal, misógino, sexista, golpista, usurpador de direitos possa nos representar, muito menos V. Exma. que em uma tentativa insana, tenta rasgar a história das mulheres negras deste país.
Fale pela Senhora. Tenha ele como o SEU PADRINHO, não use a luta das mulheres negras em benefício próprio, para se legitimar perante um governo que não nos respeita e nem de longe reconhece a nossa luta ancestral.
Nossos passos vêm de longe Ministra.
A discriminação sofrida por nós, mulheres negras, ao longo desses anos, a discriminação e o racismo que nos retira direitos básicos que vão desde o direito de viver e de ter vivos nossas/os filhas/os, às péssimas condições de saúde e educação que nosso povo enfrenta até os dias atuais, não te dá o direito de eleger TEMER como nosso padrinho.
A falta de vagas no mercado de trabalho, os direitos que nos tem sido negado, o desrespeito as nossas especificidades, só reforçam que este homem branco e até a sua companheira (mesmo sendo ela uma mulher) não me representam.
No dia que uma mulher branca e um homem branco abram mão dos privilégios, pensando na nossa raça, talvez eu possa vislumbrar uma possibilidade de representação e permissão de que falem por mim, coisa que acho difícil para não dizer IMPOSSÍVEL.
Com certeza a Senhora sabe o que é ser mulher negra num país como o Brasil e na Diáspora Africana. Não é possível que tenha esquecido, assim como a senhora também sabe que não deveria eleger esse Sr. Como padrinho de uma mulher negra.
Por favor, Senhora...
Nos respeite, respeite nossa luta, respeite nossa ancestralidade.

 
Iraildes Andrade
Mulher Negra, Mãe, Avó
Coordenadora Nacional de Gênero do CEN
Ekede da Casa Oxumarê
Facilitadora da Secretaria de Políticas para Mulheres do Estado da Bahia
Bacharela em Estudos de Gênero e Diversidade