“A corrupção se dá em países que têm alta desigualdade social e num Estado que é apropriado por elites”, diz Rudá Ricci à IHU On-Line. Para ele, esse é o quadro do Brasil,
onde “as elites ingressam no Estado, capturam os fundos públicos e
pagam os gestores para receber esses fundos”. Para romper com essa
lógica, assevera, “tem que atacar a desigualdade social e fazer o Estado
ser transparente”. E critica: “Há quem ache que corrupção é uma questão
de foro íntimo, de desvio de comportamento, quando na verdade a
corrupção é do sistema; essa ideia é típica de jovem que nunca atuou no
Estado, que não sabe como se fazem, inclusive, as pequenas corrupções
morais, quando a pessoa chega ao restaurante e todo mundo aplaude, cedem
o lugar para ela sentar e a pessoa come e não paga a conta. É isso que a
transforma. A pessoa vira capa de revista e acaba tendo um poder de
servidor público que não poderia ter. Isto é corrupção: achar que se é
maior do que um cidadão comum”.
Na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line quando esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, participando do “VI Seminário dos Observatórios. Democracia, Políticas Públicas e Informação”, Rudá também faz uma avaliação das principais disputas existentes no PT e
menciona que a “queda de potência do PT vem obrigando o partido a se
realinhar”, embora nem todos os dirigentes concordem com isso, já que
muitos “vivem disso”, “se profissionalizaram na política, e toda a
sobrevivência, inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é
evidente que nesse momento há uma resistência pela sobrevivência”. Na
avaliação dele, a questão central em debate no partido hoje é “ou a
atual direção do PT se mantém e esfacela o partido, ou cede espaço para
novas correntes ou correntes de oposição, embora não saibamos para onde
essa mudança levará o partido”. E conclui: “Está chegando a hora da
verdade para o PT, o que deveria ter ocorrido há anos, já em 2013, naquelas manifestações”.
Rudá Ricci (Foto: Arquivo pessoal/Twitter)
Rudá Ricci
é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo – PUC-SP, mestre em Ciência Política pela Universidade
Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma
instituição. É diretor geral do Instituto Cultiva, professor do curso de
mestrado em Direito e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior
Dom Helder Câmara e colunista Político da Band News. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp), entre outros.
Confira a entrevista.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como analisa a Proposta de Emenda Constitucional – PEC 241?
Rudá Ricci – Se a proposta é fazer cortes, a própria Lei de Responsabilidade Fiscal determina um controle sobre o gasto. Isso significa, portanto, que a PEC está
criticando a Lei de Responsabilidade Fiscal ao apontar que se trata de
uma lei frágil. Ao invés de instituir a PEC, precisávamos ter claro, em
primeiro lugar, como e em que áreas os gastos devem ser cortados. O Brasil está entre a nona e a oitava economia do mundo, e é o país mais rico da América Latina, mas estamos abaixo da média da desigualdade social nesse território, segundo o IDH-D
(Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade). Portanto,
estamos falando de um país que é muito rico, mas que tem muitos pobres,
ou seja, é um país absolutamente injusto socialmente.
O problema é que no Brasil nós forjamos uma elite,
inclusive intelectual, que se forma dentro de uma cultura estamental e é
daí que vem esse discurso absolutamente insensível da meritocracia.
Como eu posso dizer que sou o melhor se eu sempre tive condições de
chegar a ser doutor ou pós-doutor? O Brasil, na área educacional, é um
funil, pois somente 2% a 5% de quem entra na educação infantil sai da
faculdade com emprego. Então, se temos que fazer cortes, não daria para
fazê-los justamente nas políticas sociais, que geram não só a proteção social, mas contribuem para que um dia as pessoas possam disputar com a elite, se é o caso.
Então, onde deveriam fazer o ajuste? Em primeiro lugar na sonegação de impostos, que perfaz hoje, segundo o Banco Mundial, 13,6% do PIB.
Só aí teríamos a resolução dos nossos problemas. O segundo aspecto
seria aumentar o imposto sobre as grandes fortunas; além disso, temos
que cortar a famosa “bolsa empresário” e diminuir a distância entre o
topo das escalas das funções de Estado com a base. Temos muitas
possibilidades de cortes que não esses que atingem os pobres.
Essa PEC é ignorante e foi formulada completamente
sem base técnica. Para termos uma ideia, o maior especialista em estudos
de retorno de investimento público, o inglês David Stuckler, que esteve no Brasil recentemente, prova que as áreas que têm menor gasto a médio e longo prazo, se investirmos hoje, são educação e saúde.
Isso significa que o corte que o governo fará em educação e saúde terá
um impacto negativo no futuro. Não adianta o governo falar que não terá
corte, porque a população brasileira crescerá em 20 milhões nos próximos
20 anos, e exatamente porque haverá um crescimento per capita e teremos
nesse período a mesma média de gasto, mesmo corrigido pela inflação,
haverá queda de recursos. O problema é que gastaremos muito mais depois
dessas duas décadas.
É um absurdo e uma irresponsabilidade pública o que estão propondo com essa PEC
Stuckler mostra que aumentou o número de doenças, inclusive de doenças contagiosas, e aumentou também o número de suicídios em locais que fizeram cortes como os sugeridos pela PEC 241. Na Europa, depois das propostas de austeridade orçamentária, foram registrados 12% de suicídios e, em alguns países como a Grécia, o índice chegou a 17%.
Portanto, é um absurdo e uma irresponsabilidade pública o que estão
propondo com essa PEC. Se a PEC passar, esses deputados, senadores e
governos pagarão duramente nos livros de história.
IHU On-Line – Sua sugestão então é que haja um aumento do
gasto estatal, já que, mesmo gastando, o Brasil continua um país muito
desigual?
Rudá Ricci – É evidente que temos que aumentar os
gastos nas áreas que nos interessam. É a velha discussão: o que nos
interessa nesse momento, ter pesquisa de ponta e investir na elite ou
fazer com que este país tenha mais pessoas que possam pesquisar se elas
tiverem condições de ascenderem socialmente e se tornarem classe média?
Essa é uma opção política do país. O Brasil sempre opta pela elite,
o dinheiro vai para a elite e nunca vai para os mais pobres; quando
fazemos qualquer ação, mínima que seja, na direção oposta, vem logo uma
reação ultraviolenta para retirar o básico. A proposta da PEC 241 e as outras, como a da Reforma da Previdência, fazem o Brasil voltar para antes dos anos 1950; estamos andando rapidamente para o atraso.
IHU On-Line - Fazendo uma retrospectiva do que foi o governo
Lula, houve uma tentativa de avançar na construção de políticas públicas
e de romper com esse modelo que o senhor descreve, ou não?
Rudá Ricci – O governo Lula ainda
tem que ser muito bem estudado, não tanto em termos de informação, mas
em termos de análise. O governo Lula não teve proposta nenhuma de
esquerda, ele teve propostas rooseveltianas e do New Deal,
que consistia em ter um Estado orientador dos investimentos da
iniciativa privada, e o subsídio do gasto popular para transformar o
trabalhador em um consumidor da indústria nacional.
IHU On-Line - Mas os resultados brasileiros foram diferentes dos Estados Unidos?
O problema do Lula é político: ele fez o Brasil dar um passo para trás fazendo acordos da Velha República
Rudá Ricci – Foram mais ou menos iguais. Nos EUA houve uma retomada da indústria, como aconteceu aqui no Brasil, e a cada ano subimos um ou dois postos no ranking do PIB
nacional no mundo; houve uma queda de 50% dos miseráveis no Brasil e
praticamente se chegou ao que se denomina de desemprego zero ou pleno
emprego, com 5% de desempregados - agora estamos com 12%. Ou seja, a situação melhorou muito.
O Lula também optou por outras políticas neoliberais: o Programa Bolsa Família é uma proposta do Milton Friedman, logo, é uma proposta neoliberal.
A ideia do Bolsa Família é a de que o Estado dá um recurso para fazer
com que as famílias se tornem consumidoras e isso alavanca o pequeno
mercadinho do bairro.
Qual é o grande problema do governo Lula? É que ele
tutelou a sociedade civil e não aumentou o controle social sobre o
Estado. Na medida em que ele centralizou a política no próprio governo
federal e aumentou as alianças institucionais de cúpula, ele criou a sua
própria arapuca. O problema do Lula é político: ele fez o Brasil dar um
passo para trás fazendo acordos da Velha República.
Ele poderia ter avançado para uma verdadeira democracia, mas não foi por
esse caminho, fez um pacto entre elites, e aí estamos vendo o
resultado.
IHU On-Line – Parte da militância petista ainda aposta numa
mudança do PT e na sua renovação. Diante desse desejo, será possível
retomar o lulismo?
Rudá Ricci – Não há possibilidade do lulismo como o conhecemos. O pacto desenvolvimentista rooseveltiano tem três vértices: um Estado orientador, com alta concentração orçamentária – 65% do orçamento público está na União; um investimento forte para subsidiar os gastos populares, das famílias em especial; e um terceiro vértice - esse acabou -, um pacto com as empresas
para, através de recursos do Estado, fazer investimentos orientados
para aquela política forjada no pacto. O alto empresariado, em especial a
Fiesp - porque nem todas as federações de empresas
entraram nessa aventura -, resolveu radicalizar e conspurcar o governo e
uma política de transferência de renda. Eles resolveram jogar tudo o que eles podem para, de novo, concentrar renda e investimentos em São Paulo, não mais no Nordeste.
Vamos lembrar que nos anos do lulismo houve um aumento de 650% dos investimentos do BNDES para o Nordeste, e mesmo com esse aumento absurdo, o Nordeste só levava 16% do bolo de recursos do BNDES, todo o restante ia para o Centro-Sul. Mas essa pequena mudança gerou uma revolta do empresariado paulista. O empresariado paulista vive a síndrome da Revolução de 1932, que foi contra o Getúlio; paulista tem esse problema, se eles não mandam no Brasil, eles não brincam mais.
IHU On-Line - Mas o senhor acha que a crise geral da economia
e o fim do lulismo podem ser explicados por essa questão envolvendo o
empresariado?
Nós viramos o país da desilusão, da frustração, e não se constrói uma nação desse jeito
Rudá Ricci – Não, a crise econômica brasileira tem uma série de fatores. O mais recente foi o pacote que a Dilma Rousseff baixou em janeiro de 2015; ali ela girou a roda da recessão.
A recessão brasileira não é de natureza econômica,
ela poderia até chegar a isso, mas a recessão brasileira é de natureza
político-administrativa. O pacote elaborado por Joaquim Levy, que é o pacote do Bradesco, é um pacote de desmonte do Estado social
brasileiro. Ele foi o início, mas é lógico que não esperávamos que a
situação chegasse ao Temer, com essa política suicida de esgarçamento do
tecido social. O Temer está quebrando todos os elementos do pacto do Estado social que o Brasil montou desde Getúlio Vargas.
Esses políticos terão que pagar por isso, pois realmente estão
colocando o Brasil em choque, brasileiro contra brasileiro. Dados do Latinobarômetro
revelam que o grau de confiança interpessoal no Brasil, ou seja, a
confiança do brasileiro no brasileiro, só atinge 3% dos brasileiros.
Então, nós viramos o país da desilusão, da frustração, e não se constrói
uma nação desse jeito. O governo Temer acelera cada vez mais essa
situação.
IHU On-Line - Havia alternativas para além do ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy? Qual?
Rudá Ricci – Evidente que poderia haver alternativa.
Nós teríamos condições de fazer alguns ajustes de gastos, sem dúvida
nenhuma, algumas políticas de controle, inclusive de recuperação de
recursos de evasão fiscal de sonegação de impostos.
À época, o Brasil tinha que optar: queremos dar mais dinheiro para quem
é rico ou queremos fazer com que a população que sempre esteve abaixo
da linha de pobreza, ou na pobreza, tenha suas condições de vida e de
dignidade mantidas.
Vamos lembrar que grande parte das dívidas privadas das grandes empresas brasileiras vai para o Estado, o Proer foi isso. A imprensa
brasileira só vive com anúncios, porque se tirarmos os anúncios dos
jornais, os jornalões brasileiros e grande parte da imprensa brasileira
vão à falência, ou seja, nem capitalistas eles são. O fato é que esse
dinheiro de anúncio deveria ser proibido imediatamente para blog e
jornais. Não tem por que um governo fazer propaganda em imprensa
privada, pois isso significa comprar, e a imprensa passa a fazer
propaganda para o partido que governa. Eu não compro um jornal pensando
que é um panfleto eleitoral, se eu quiser dar dinheiro para um partido,
eu dou; agora, eu compro um jornal para me dar notícias. Portanto, temos
aqui um desvirtuamento. Estou citando o caso da imprensa no Brasil para
mostrar como ela é atrasada e como as empresas brasileiras abocanham,
através de lobby ilegal, dinheiro do Estado.
Aliás, a acusação contra o Lula é que ele fez lobby
com empresas brasileiras; ora, se ele fez lobby, então o lobby existe. E
só o presidente será punido? O empresário, não? Todas as grandes
empresas brasileiras – Globo, Tam – pegaram dinheiro do BNDES
no último período, e a juros baixos, e agora vão falar que o problema é
a Previdência, o salário mínimo indexado, os recursos para educação e
saúde? Esse pessoal está fazendo uma escolha que parece completamente
desumana e isso tem um preço político, pois em algum momento essa fatura
será paga.
IHU On-Line – Qual é a situação do PT hoje? O que se pode esperar do racha que existe no partido?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, precisamos falar do tamanho do PT.
Nesse momento, o PT é um partido médio, como o PDT. O fato é que essa
queda de potência do PT vem obrigando o partido a se realinhar. O que
tem sido esboçado, nesse momento, inclusive com participação do Lula
nessas discussões, é a convocação de um congresso para o primeiro
semestre do ano que vem. Nesse congresso, primeiramente, se faria uma
revisão das bases programáticas do partido, as atuais direções
declinariam da capacidade de comando do partido e se convocariam novas
eleições da direção do PT no país inteiro.
Mas a grande questão em discussão é que, nesse momento, a corrente majoritária, a Construindo um Novo Brasil - CNB, seria alijada ou diminuiria seu poder dentro do PT,
porque foi ela que conduziu o partido para esse desastre. Essa é a
discussão que hoje está muito intensa dentro do partido. As três
principais correntes do PT vêm discutindo de maneira muito pesada. A CNB é a principal corrente, à qual o Lula
está ligado, e ele próprio vem cedendo ou abrindo essa discussão, mas
outros dirigentes da CNB nem aceitam essa possibilidade. A Mensagem ao Partido, que é ligada ao ex-governador Tarso Genro, ao prefeito Fernando Haddad e ao Paulo Teixeira,
deputado federal por São Paulo, está propondo essa rearticulação, com a
eleição de um presidente que seja oposição à atual direção. Depois tem a
Articulação de Esquerda, coordenada pelo Valter Pomar,
que propõe uma mudança radical da orientação do PT e uma aproximação do
partido com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda,
baixando a arrogância petista e percebendo que em alguns lugares o PT
não é mais hegemônico e terá que ceder. Essa é a discussão do momento do
PT.
A questão é: ou a atual direção do PT se mantém e
esfacela o partido, ou cede espaço para novas correntes ou correntes de
oposição, embora não saibamos para onde essa mudança levará o partido.
Mas, sem mudança, o PT se arrisca a ser um partido pequeno, e não mais
um partido médio.
IHU On-Line - Há muita resistência interna em fazer essa mudança?
Rudá Ricci – O problema é que há muitos dirigentes
que vivem disso, que se profissionalizaram na política, e toda a
sobrevivência, inclusive pessoal, se mantém com essa máquina, então é
evidente que nesse momento há uma resistência pela sobrevivência.
Acontece que o PT não é só dessas direções, o PT está envolvido com milhares de militantes políticos.
Está chegando a hora da verdade para o PT, o que deveria ter ocorrido há anos, já em 2013,
naquelas manifestações. Aquele era o momento de o PT ter revisto que
tinha perdido as ruas, porque quando começaram as acusações contra o Lula
no caso do mensalão, em 2005, ele se reelegeu porque chegou a ameaçar a
colocar as ruas contra a direita e, portanto, a direita recuou. Mas
agora não tem mais essa ameaça; ela virou blefe. A direção do partido
tem que assumir a responsabilidade por ter conduzido o partido para esse
desastre.
IHU On-Line - Dessas três correntes principais, alguma delas é
mais forte dentro do partido ou tem mais condições de conduzir esse
processo de mudança?
Rudá Ricci – A que me parece ter mais condições de conduzir esse momento é a Mensagem ao Partido, que é a mais equilibrada no sentido de ter muito contato com a CNB, mas também tem contato com as outras correntes mais à esquerda do PT. Além disso, essa corrente tem figuras públicas de grande projeção nacional e internacional, como o ex-governador Tarso Genro,
por exemplo, e os seus dirigentes são muito técnicos. Essa corrente,
nesse momento, parece que não esgarçaria tanto o partido. Claro que há
outras correntes de esquerda muito capacitadas, mas, talvez, esgarçassem
muito a relação interna com a direção atual e não haveria uma transição
tranquila. Em um momento que nós estamos vivendo num país em ebulição,
talvez a melhor condução seja ir mais devagar.
IHU On-Line – Desde a crise do governo Dilma há uma discussão
em torno da possibilidade de o ex-presidente Lula voltar a ser
candidato à presidência em 2018. Hoje ainda existe essa possibilidade,
dado o resultado das eleições municipais?
Rudá Ricci – Ainda existe, claro, tanto existe que
estão tentando prendê-lo sem uma acusação plausível ou sem provas.
Quando se ataca e se “caça” um ex-presidente da República duas vezes,
com uma projeção nacional como essa, é porque ele é um risco. Acusação
por acusação, existem acusações ao Fernando Henrique Cardoso e ao Aécio Neves,
mas ninguém faz essa “caça” a essas personalidades, deixando correr um
processo e vendo se é possível ter mais provas contundentes ou não. Às
vezes, temos que pensar um pouco no equilíbrio político do país para não
levar o Brasil a uma aventura. É possível ser justo sem açodar, sem
desequilibrar o país. No caso do Lula, as ameaças
diárias contra ele mostram um açodamento e um certo desespero de tirá-lo
do páreo. Por que estão querendo tirá-lo do páreo? Porque em todas as
pesquisas realizadas até agora, o Lula aparece em primeiro lugar e em
segundo lugar aparece a Marina.
IHU On-Line – Mesmo com o resultado das últimas eleições municipais, o senhor ainda aposta numa vitória do Lula em 2018?
Até a vitória do Lula em 2002, o PT não chegava nem perto do que era o Lula. O Lula é uma liderança popular
Rudá Ricci – Mas ele é muito maior que o PT, sempre foi. Até a vitória do Lula em 2002, o PT não chegava nem perto do que era o Lula. O Lula é uma liderança popular.
Por que o Lula e a Marina são os
dois primeiros nas pesquisas? Porque eles não têm cara de classe média,
porque a maioria dos eleitores brasileiros é pobre. Não adianta a classe
média, a minha classe social, ficar batendo panela, porque não elegerá
um presidente. Nós somos 25% da população, nós não vamos eleger
presidente; quem elege são os trabalhadores. Se a classe média conseguir
convencer os trabalhadores, muito bem, se não, a eleição terá cara de Marina e Lula.
IHU On-Line – Mas a Marina já declarou que não sabe se vai concorrer nas próximas eleições.
Rudá Ricci – Ela está sendo inteligente, porque é
muito cedo. Nesse momento eu diria que temos três nomes fortes para
concorrer à eleição presidencial, e uma pessoa no banco. Os três nomes,
levando em conta que não temos dados de pesquisa depois da eleição
municipal, seriam Lula, Marina e Alckmin. O Alckmin foi o grande vitorioso dessas eleições municipais e é o dono do bastão para 2018 no PSDB. Ele fechou as portas do Aécio Neves, tanto que o Aécio está colando no governo Temer para ter algum lugar.
Quem está na reserva é Ciro Gomes, só que ele, pela
lógica que eu estava dizendo, tem cara de classe média e não tem base
social ampla. Além disso, o programa que ele defende sempre é muito
confuso, meio liberal com forma radical de esquerda. É como se fosse uma
espécie de bombom: a casquinha é durinha e por dentro é meio mole; não
sabemos direito para onde ele vai.
IHU On-Line – A esquerda tem apostado no Freixo nas eleições municipais do Rio de Janeiro? Há possibilidade de ele se eleger?
O PSOL tem o mesmo problema do PT na origem: é um partido de classe média
Rudá Ricci – O PSOL é muito novo e é muito difícil o Freixo se eleger: a última pesquisa dava 50% para o Crivella e 25% para o Freixo;
a distância é gigantesca. A não ser que aconteça algum fato político
nos próximos dias, é muito difícil o Freixo vencer, mas ele foi para o
segundo turno. O fato é que agora o PSOL é uma força política, se não da
mesma grandeza do PT, muito próxima nesse momento, mas
isso não significa que tenha força para eleger um presidente. O PSOL
tem o mesmo problema do PT na origem: é um partido de classe média; Freixo e Luciana Genro têm cara de classe média. A Erundina era a candidata com mais cara de povão, mas o PT declarou voto útil e desidratou a candidatura da Erundina. O Edmilson, no Belém do Pará, tem cara de povão, mas estamos vendo o que aconteceu.
Porém, há nomes muito jovens no campo da esquerda, que, se não serão
candidatos competitivos, começam a mostrar uma nova geração de
lideranças, não exatamente partidárias, como é o caso do Guilherme Boulos.
Ele é um nome muito importante hoje no Brasil, um jovem com uma
formação política, é muito equilibrado, uma pessoa de muita escuta e com
uma liderança de massa incontestável: ele coloca 25 mil pessoas,
brincando, ao redor do Itaquerão – Estádio do Corinthians. Várias vezes
ele liderou o cercamento do apartamento do Michel Temer
em São Paulo, mesmo a polícia falando que iria reagir e reagiu. Mas
várias outras lideranças estão surgindo, em nichos de representação,
como é o caso da Márcia Tiburi com a #partidA, no movimento feminista, que vem sendo uma liderança cada vez mais respeitada, também de classe média e intelectual.
IHU On-line - Mas esse tipo de movimento feminista ainda pode “colar” no Brasil?
Rudá Ricci – Acredito que a soma “cola”. O Lula
fragmentou as demandas, e os governos lulistas acabaram fragmentando
essas demandas e organizações. A sociedade brasileira, assim como a
mundial, vem socialmente se fragmentando e isso fortaleceu os movimentos
identitários – movimento negro, feminista, LGBT.
Então, a grande questão do campo popular democrático e de esquerda é
como fazer uma costura dessa fragmentação e isso leva um tempo, mas está
sendo feito.
IHU On-Line – Alguns fazem uma crítica a esse movimento no
sentido de que a direita também pode assumir pautas identitárias, como
se pode observar em São Paulo, na eleição de Fernando Holiday, que é
negro, gay e pobre.
Rudá Ricci – Esse menino é uma fantasia, tanto que ele se chama Holiday.
IHU On-Line – Mas ele recebeu muitos votos, inclusive nas periferias.
Rudá Ricci – Ele ganharia de qualquer jeito, mas a
direita não entra nesses movimentos, ela vai ter que “comer muito
feijão” para entrar nesses movimentos, porque inclusive esses candidatos
foram financiados pelo PSDB, PMDB, pela Fiesp.
IHU On-Line – Mas há uma crítica de que quando a esquerda
valoriza mais as pautas identitárias em relação a outras, ela deixa de
lado questões como a situação real dos trabalhadores que, como o senhor
disse, são a base do eleitorado da esquerda. Não concorda?
Rudá Ricci – Eu acho que está acontecendo o inverso: esses movimentos identitários, em função da extrema-direita e das políticas do governo Temer, estão caminhando para a esquerda. Por exemplo, as organizações de favela estão criando o partido Frente Favela Brasil e percebendo que, com a cláusula de barreira estabelecida, nem vão conseguir fundar o partido. Então, eles vão se juntar a outros movimentos e partidos e terão que se fundir para criar um partido. Nesse caso, terão que negociar com outros movimentos identitários e a tendência é que esses movimentos caminhem para a esquerda. Alguns movimentos com pautas específicas, como saúde e habitação, que são muito pragmáticos e negociam com qualquer governo, também estão tendo que caminhar para a esquerda, porque o atual governo está destruindo essas pautas.
Rudá Ricci – Eu acho que está acontecendo o inverso: esses movimentos identitários, em função da extrema-direita e das políticas do governo Temer, estão caminhando para a esquerda. Por exemplo, as organizações de favela estão criando o partido Frente Favela Brasil e percebendo que, com a cláusula de barreira estabelecida, nem vão conseguir fundar o partido. Então, eles vão se juntar a outros movimentos e partidos e terão que se fundir para criar um partido. Nesse caso, terão que negociar com outros movimentos identitários e a tendência é que esses movimentos caminhem para a esquerda. Alguns movimentos com pautas específicas, como saúde e habitação, que são muito pragmáticos e negociam com qualquer governo, também estão tendo que caminhar para a esquerda, porque o atual governo está destruindo essas pautas.
IHU On-Line – No PT há uma divergência acerca de como o Lula
deveria se posicionar em relação à Lava Jato desde que ele virou réu.
Alguns defendem a sua saída do país e outros argumentam que seria melhor
ele ficar e, se for preso, sair como um mártir. O que lhe parece mais
adequado?
Rudá Ricci – É muito difícil falar da vida de uma
pessoa que está sendo “caçada”. Primeiro tem uma dimensão individual que
é inalienável, quer dizer, não posso dizer o que o Lula tem
que fazer de uma maneira categórica por ser um personagem político,
porque ele tem família, currículo, uma história pessoal e é uma figura
pública. Nos EUA, por exemplo, ex-presidentes têm um
cargo público e há um respeito por eles pelos serviços prestados, mesmo
se o presidente esteve envolvido em um escândalo sexual com uma
estagiária. Há uma autocensura e um autocontrole de como se respeita a
autoridade. As noções de autoridade e hierarquia são uma fantasia, mas
se não respeitamos essa aura da autoridade pública, destruímos todas as
relações institucionais e, inclusive, a lei. Então, tem que haver um
certo limite, e nós estamos destratando os ex-presidentes da República
no Brasil. Com essa história toda, tenho que dar um passo atrás e
respeitar os temores, as depressões, os medos de uma pessoa que está
sendo “caçada” e que tem um currículo como o do Lula.
Como cientista político, eu diria que a pior saída seria ele pedir
asilo, porque ele ficaria muito longe de um país que não está numa
ditadura, mas num estado de exceção, o que é diferente, ou seja, nós continuamos tendo respeito à Constituição e à Ordem democrática,
porém, na franja da legislação brasileira, algumas autoridades públicas
estão cometendo excessos e criando essa lacuna de exceção, de acusação
sem prova, de penalização antecipada e de destruição de currículos.
Lula, estando fora do país, não teria como se
defender. Nesse caso, a melhor aposta é se transformar num “Mandela
brasileiro”, num mártir, mas é uma aposta. Chegamos a esse estado de
exagero no Brasil, em que temos uma aposta numa grosseria radical,
primária, selvagem: ou se prende e se elimina uma pessoa da política, ou
se prende a pessoa e ela se transforma num mártir. É preciso chegar a
isso? Estamos numa situação tão degradante para jogar no tudo ou nada?
Não é a hora de o país ter um equilíbrio e de parar com essa “caça”
absurda que está sendo feita por pessoas jovens, que sofreram pouco na
vida e têm pouca experiência, decidindo sobre a vida de pessoas com mais
de 70 anos? Estou falando do Lula, mas também do Fernando Henrique. É como diz o Nelson Rodrigues:
“O que se espera do jovem? Que envelheça”. Portanto, está na hora de
parar de ficarmos vivendo com adrenalina; precisamos viver com o
cérebro.
IHU On-Line – Diante dos casos de escândalos, a sua leitura é
a de que a Lava Jato tem como finalidade “caçar” o ex-presidente Lula?
A Lava Jato está prestando um desserviço ao Brasil
Rudá Ricci – A Lava Jato está
prestando um desserviço ao Brasil; é um exagero. Podemos compará-la a
uma situação numa escola em que há casos de furto e, por conta disso, se
comece a pregar o terror, a bater na porta da casa das crianças para
falar com os pais, a expulsar os alunos. Nesse momento a Lava Jato
descarrilhou, perdeu o controle e está virando um instrumento político.
Tenho certeza de que se o Ulysses Guimarães estivesse
vivo, ele já teria feito algum tipo de movimentação. Alguém tem que
dizer que não é assim que se constrói um país, destruindo-o inteiro.
Essa ideia de que vem um salvador, uma pessoa hiper- honesta, que vai
reconstruir o país, é um discurso messiânico.
IHU On-Line – Mas não há um clamor ou um desejo de acabar com a corrupção que se dá entre o setor público e o privado?
Rudá Ricci – Não há clamor nenhum. Em 2006 o Ibope fez uma pesquisa com os brasileiros e 75% deles disseram que, se fossem do governo, também fariam pequenas corrupções.
Não se viu nenhuma manifestação de massa de trabalhadores falando da
corrupção. Podemos ouvir e interpretar as urnas: todos os partidos hoje
não merecem a atenção dos brasileiros. Entre 36 e 44% dos eleitores dos
grandes centros não votaram.
IHU On-Line – Mas como interpretar esses dados? Por que o brasileiro considera que os partidos não merecem o voto?
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, porque a imprensa está falando em nome da classe média
e não do Brasil e usa o termo “os brasileiros” sem ter o menor cuidado
de ouvir os brasileiros. Em segundo lugar, tem que ouvir os
marginalizados e os pobres, tem que parar de fazer entrevista com o Temer, com o Cunha
e ir para a periferia. Em terceiro lugar, precisamos colocar ordem
neste país e um limite nessa história, porque em nome da corrupção está
se destruindo o Estado social.
Nesta semana, em Porto Alegre, o coordenador de uma campanha foi assassinado. E qual é o motivo desse assassinato? Quer dizer que a Lava Jato resolveu a situação da corrupção? Está instigando o Brasil, e o país hoje é o primeiro do mundo em linchamento;
tem um por dia. Ou seja, não é possível que achemos que um país vive na
luta contra a corrupção. Não existe um país no mundo que viva assim.
A corrupção se dá em países que têm alta desigualdade social e
num Estado que é apropriado por elites. Quando isso acontece, o meio de
ascensão social é por meio da corrupção, ou seja, as elites ingressam
no Estado, capturam os fundos públicos e pagam os gestores para receber
esses fundos. O que tem que fazer para acabar com a corrupção? Tem que
atacar a desigualdade social e fazer o Estado ser transparente. Há quem
ache que corrupção é uma questão de foro íntimo, de desvio de
comportamento, quando na verdade a corrupção é do sistema; essa ideia é
típica de jovem que nunca atuou no Estado, que não sabe como se fazem,
inclusive, as pequenas corrupções morais, quando a pessoa chega ao
restaurante e todo mundo aplaude, cedem o lugar para ela sentar e a
pessoa come e não paga a conta. É isso que a transforma. A pessoa vira
capa de revista e acaba tendo um poder de servidor público que não
poderia ter. Isto é corrupção: achar que se é maior do que um cidadão
comum.
IHU On-Line - Não é isso que os políticos fazem em geral?
O caminho dos observatórios está dado e essa é uma das experiências mais importantes que temos no Brasil hoje
Rudá Ricci – Exatamente. Então, por que a “caça”? A única saída para combater a corrupção não é a “caça”. Se todos estiverem presos, vamos transformar o Brasil em “O Alienista” do Machado de Assis:
todo mundo preso e só alguns fora. O que temos que ter claro é que
precisamos diminuir as desigualdades no país e ter um Estado
transparente e com menos regalia para os altos cargos. Teria que haver
condições de ter um instrumento que possibilitasse, inclusive, fazer um
veto popular para alguma proposta que a população considere inadequada.
Então, o problema da corrupção não é o principal problema do Brasil; o
principal problema é a desigualdade.
IHU On-Line – Quais os desafios e possibilidades dos observatórios nos processos de democratização da democracia?
Rudá Ricci – Os observatórios
apontam um caminho correto, e a questão agora é de aumento de volume de
trabalho e aumento de articulação. Os observatórios levantam dados da
realidade e dos resultados de políticas públicas de um amplo território,
fazem um trabalho de monitoramento e de análise desses dados e fazem
formação e assessoria a gestores. A grande questão que está faltando
nesse momento, como desafio para os observatórios, é aumentar o grau de
informação da sociedade, inclusive com tecnologias que estão à
disposição, como WhatsApp, aplicativos, material mais popular, como
cartilhas, e aumentar a formação para aumentar o controle da sociedade
sobre o Estado. Mas o caminho dos observatórios está dado e essa é uma
das experiências mais importantes que temos no Brasil hoje.
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