terça-feira, 30 de julho de 2019

Sobre racismo e racistas.  


Somos o Movimento Negro do Amazonas -  coletivos, institutos, movimentos bem como Povos de Terreiro de Manaus, aqui assinados, Fórum de Juventude Negra do Amazonas, Instituto Ganga Zumba, , Mulheres de Axé, Instituto Cultural Mutalembê, Associação Cultural Toy Badé, Associação Nossa Senhora da Conceição, Coletivo Ponta de Lança, Movimento de Mulheres Negras da Floresta - Dandaras, Terreiro de Santa Bárbara Seringal Mirim – Ilê Axé Opo Mesoan Orun; Crioulas do Quilombo Urbano de São Benedito,  Fórum Permanente das Mulheres de Manaus – FPMM, Espaço Feminista URI HI, Ocupaminart, Favelafro, Rede de Mulheres Indígenas do Estado do Amazonas, Grupo de Capoeira Arte Revelação, Escola de Capoeira Senzala, Federação Amazonense de Capoeira, FOPAAM – Fórum Permanente dos Afro descendentes do Amazonas, Rede Nacional de Articulação de Religião Afro Tradicional – REATA, RENAFRO – Rede Nacional de Religiões Afro brasileiras de Saúde, UNEGRO – União de Negras e Negros pela Igualdade.   
A partir do ano de 2010 quando a Lei 12288 foi promulgada instituindo o Estatuto da  Igualdade Racial, estamos  lutando para a aprovação do Estatuto da Promoção da Igualdade Racial em nosso Estado, mas até agora não obtivemos sucesso e perdemos muitas oportunidades de melhorias para o nosso povo negro e indígena. Por isso viemos a público:

1.      Repudiar ao racismo e intolerância religiosa praticados em reunião do dia 23 de maio de 2019 pelo grupo de movimentos que se autodenominam representantes de mestiços;
Os grupos autodenominados Fórum Nacional dos Mestiços, Movimento Pardo-Brasileiro - Nação Mestiça e a Associação de Caboclos Ribeirinhos da Amazônia - ACRA compareceram à reunião organizada pela Gerência de Promoção da Igualdade Racial, representada pela senhora Francimar Santos Júnior (Francy Júnior) e que tinha como pauta a Apresentação da Minuta do Estatuto Racial e de Combate a Todas as Formas de Intolerâncias Religiosas do Estado do Amazonas e a Apresentação da minuta do Edital de convocação para composição do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial para inviabilizar e prejudicar a reunião de todas as formas possíveis, levantando a voz em diversos momentos contra vários membros do comitê, e até mesmo funcionários membros da instituição, proferindo ameaças e criando um ambiente caótico para todos os que ali se faziam presentes. Desde o início da reunião se colocaram contra a apresentação da minuta mesmo antes desta ser apresentada e, diante de sua apresentação, faziam destaques em todos os artigos e até mesmo títulos procurando tomar o máximo possível de nosso tempo para assim inviabilizar que a apresentação e posterior debate fossem concluídas com êxito. Para além disso, ainda se utilizavam de qualquer brecha na fala de quem estivesse lendo a minuta para interromper, muitas vezes aos berros, a leitura da mesma proferindo discursos que desfocassem do objetivo comum que era o de apresentação da minuta. Dentre as diversas situações lastimáveis as quais fomos expostos, ainda tivemos de presenciar os crimes de racismo e intolerância religiosa contra o Babalorixá Abner e a Yalorixá Janeth, dentre outras muitas situações de violência de cunho racista e até mesmo que ferem completamente os princípios democráticos de nosso país. Tornamos aqui público nosso repúdio e denunciamos os crimes ali cometidos, que ocasionaram em diversos membros do comitê adoecimento físico e psicológico, mediante todo o constrangimento e violência a que fomos sujeitados.
A reunião do dia 23 de maio de 2019, que ocorrera das 14h às 17h, no auditório da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUSC) foi marcada por bate bocas, ameaças, gritarias, ofensas e até mesmo tentativa de violência física contra uma das mulheres do comitê, intimidando a todos ali presentes e gerando um ambiente de completa insegurança e desconforto. São estes que se auto intitulam representantes de mestiços o senhor Jerson Cesar Leão Alves, do Fórum Nacional dos Mestiços, a senhora Helda Castro de Sá, do Movimento Pardo-Mestiço Brasileiro – Nação Mestiça e o senhor Laucivanio Ramires de Aparicio, da Associação dos Caboclos e Ribeirinhos da Amazônia – ACRA.        
Em referência à primeira minuta, que tinha por conteúdo o Estatuto de Promoção da Igualdade Racial, tanto o senhor Leão Alves como Helda Castro e Laucivanio Ramires interromperam diversas vezes a sua leitura com falas totalmente descabidas e que nada tinham a acrescentar ao debate, ao contrário, colocavam em voga alguma discussão totalmente oposta a pauta da reunião, afirmando, por exemplo, que um estatuto fora elaborado anteriormente e que deveria ter sido aprovado, se referindo a um estatuto que fora arquivado, e que neste procuravam se privilegiar como grupo acima dos povos e etnias existentes no Brasil e que são reconhecidos legalmente em todo o território nacional. Colocações como ‘’ História e Cultura dos Mestiços’’ e ‘’Terreiros Mestiços’’ eram uma de suas alterações no antigo estatuto arquivado.
Alegando também ser aquela reunião uma perda de tempo, ou que a aprovação da minuta poderia ser feita noutro dia, proferiam reclamações em tom de confronto que culminavam somente em bate bocas, gerando desgaste aos demais presentes. Fizeram-se cansativos, perturbadores e demasiadamente estressantes.
 Cabe ressaltar no que diz respeito às interrupções e destaques demasiados, já citados anteriormente, que essa atitude, de início, causou um profundo estranhamento, no entanto logo fora percebido que o objetivo deles era o mesmo de reuniões passadas: Desarticular e impedir o seguimento de mais um passo do processo de garantia de direitos às populações negra e indígenas, bem como aos povos de religiões de matriz africana.
Essas interrupções se manifestaram também através de comportamentos inadequados e que ferem sobremaneira o direito ao respeito, assegurado na Constituição brasileira. Isso se mostrou no momento em que a professora Elizangela Almeida fazia a leitura da minuta e por questão de ordem o senhor Abner da Silva Rodrigues, Pai Abner, Babalorixá designado como representante do Ilê Axé Opo Mesan Orum, Terreiro de Santa Bárbara Seringal Mirim, pediu a fala para nos alertar sobre o tempo que faltava para o fim da reunião, que naquele momento era de quarenta minutos, e devido as diversas interrupções e destaques estrategicamente excessivos feitos majoritariamente, senão exclusivamente, pelos autodenominados representantes dos mestiços seria impossível que a leitura e debate sobre a minuta fosse concluída.  Foi sugerido, então, que os números de destaques destes representantes fossem reduzidos por conta de toda aquela situação ter tornado-se insustentável. E diante disso, o senhor Leão Alves levantou o tom de voz dizendo que aqui não é uma ditadura e sim uma democracia, que não somos a Venezuela e que o presidente não é o Maduro, deixando explícito que, de acordo com sua interpretação, o que estava ocorrendo naquele momento era um ato antidemocrático. Por fim, afirmou enfaticamente que era de direita, seu presidente era o Bolsonaro, que era cristão, e que não gostava de comunistas, acrescentando ainda que era obrigado somente a tolerar e não a respeitar os praticantes dos cultos afro-brasileiros e os comunistas. Extremamente ofendido e sentindo-se desrespeitado, Pai Abner respondeu-lhe em tom altivo tomando posição como Babalorixá e como comunista, afirmou que ele respeitava a ideologia política e religiosa do senhor Leão, e que o mesmo tinha a obrigação legal de também respeitar a sua posição política e religiosa. A intolerância religiosa do senhor Leão afetou a todos nós como movimento negro, e em especial aos representantes de povos de terreiro como a Yalorixá Janeth, que ali se fazia presente. O que presenciamos foi o desrespeito e preconceito escrachado ao qual nossos povos de religião de matriz africana e o movimento negro como todo somos sujeitados todos os dias. Pessoas que, partilhando da mesma lógica do senhor Jerson Cesar Leão Alves, nos matam e destroem nossos templos e nossos sagrados tanto fisicamente quanto simbolicamente, como nos ocorrera nesta reunião.
Não bastando todo o desgaste ocasionado pelos mesmos grupos já citados, ocorreu também uma situação de tentativa de agressão física por parte do senhor Laucivanio Ramires de Aparício - ACRA para com a representante do movimento de mulheres negras e doutoranda no Programa de Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Luiza de Marilac Miléo Moreira, quando esta procurou respeitosamente explicar aos representantes do Fórum Nacional dos Mestiços, Nação Mestiça e ACRA o fato de não existirem as palavras “mestiço” e “caboclo” na minuta do Estatuto de Igualdade Racial do Amazonas. A doutoranda alegou que esse Estatuto não poderia divergir do Estatuto Federal, que, por sua vez, não faz a inclusão dos termos assinalados anteriormente, tendo em vista que o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não utiliza esse tipo de classificação populacional, já que os termos “mestiços” e “caboclos” não caracterizam etnia ou mesmo raça, e estariam contemplados, no entanto, na categoria de grupos culturais regionais. (Precisamos também estar atentos ao fato de que, aderindo a esses termos, estamos corroborando com todo o histórico e projeto de invisibilização da presença negra no Amazonas, e comprando o discurso do mito da democracia racial que se utilizou da mestiçagem para negar o racismo estrutural que compõe as bases de nosso país.)
Prosseguindo ainda sua fala, comentando sobre a agressão ao Babalorixá Abner e a Yalorixá Janeth, afirmou que aquela reunião não estava de acordo com a propositura desejada, já que presenciamos uma situação de intolerância religiosa. Porém, nem podendo terminar sua fala foi abruptamente interrompida pelo senhor Laucivanio que se levantou e foi autoritariamente com o dedo em riste em direção à senhora Luiza de Marilac M. Moreira, interrompendo-a e afirmando aos berros que estava sendo ofendido. Diante desta confusão, o prof. Nilton Costa rapidamente interviu e se colocou entre o representante da ACRA e a senhora Luiza de Marilac, que acabou sendo impedida de concluir seu raciocínio. Outros participantes do comitê também levantaram-se e prepararam-se, a fim de intervir caso a tentativa de violência física se concretizasse, o que gerou na senhora Luiza de Marilac Moreira, a sensação de perigo e constrangimento público.
Portanto, repudiamos e denunciamos tais atitudes de racismo e intolerância religiosa. Já aguentamos por muitos anos a mesma situação em conferências e em outros eventos. São as mesmas pessoas querendo atrapalhar o processo, dizendo claramente que “negros são escravos e que eles são mestiços, pretos ou pardos” como gritavam em alto e bom som na reunião e como está no site deles.  Isso é uma afronta ao Estatuto federal de Igualdade Racial Lei 12.288/2010 que busca a promoção da população negra diante de toda a história de desigualdade racial e da falta de oportunidades econômicas, sociais e humanas.
A referida Lei assim define a população negra:
IV – população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga; (Lei 12.288/2010 – Estatuto da Igualdade Racial, TÍTULO I, DISPOSIÇÕES PRELIMINARES, Art. 1º)

Se esse o referido grupo de mestiços/pardos não aceitam essa definição, por que insistem em estar no estatuto? Não é possível compreender. Portanto, solicitamos que sejam tomadas medidas efetivas no sentido de dar segurança jurídica às pessoas que foram agredidas e aos representantes dos movimentos sociais que hoje, como sempre, foram ofendidas nos espaços públicos.  


2.      Solicitação de Revisão das Leis N° 3747 de 02/05/2012 que considera como Utilidade Pública, o Movimento Pardo–Mestiço Brasileiro - Nação Mestiço, a N° 3044 de 21/03/2006 que institui o Dia do Mestiço e, por último, a lei N° 3140 de 28/06/2007 que institui o Dia do Caboclo.

Nós, Movimento Negro do Amazonas, viemos a público solicitar aos nossos deputados estaduais a  Revisão do texto das Leis supra citados pelas situações:
ü  De falta de fundamento teórico-científico;
ü  Inconstitucionalidade com o que preconiza a Lei 12.288;

Esta lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação
e às demais formas de intolerância étnica (TÍTULO I, DISPOSIÇÕES PRELIMINARES, Art. 1º)

ü  E para que seja extensiva a todos os povos e comunidades tradicionais do Amazonas, tais como os quilombolas e os grupos indígenas. E essa situação tem gerados perdas significativas em todas as esferas, além de reforçar a desigualdade de oportunidades no Estado;
ü  Para que não seja exclusividade apenas de um grupo que se diz grupo étnico;
ü  A Lei é discutível porque saberes acadêmicos responsáveis pela produção do conhecimento sobre identidade étnica não endossam o que defendem o grupo denominado mestiço e caboclo enquanto raça;
ü  Solicitamos ainda uma audiência pública para discutir a eficácia e os efeitos nocivos dessa lei.






ANEXO

Acrescenta-se abaixo algumas das falas nocivas partilhadas nas redes sociais, especificamente Twitter e Facebook, pelo Nação Mestiça e pelo representante do Fórum Nacional dos Mestiços, Jerson Cesar Leão Alves:
Fontes:
Figura 1 – O Sr. Leão é contra a autodeclaração prevista na Lei 12.288 –Estatuto de Promoção da Igualdade Racial.
Sobre esta imagem, partindo de pressupostos nazistas cuja concepção se baseava em raças puras, o senhor Leão deixa evidente em suas palavras que não respeita a auto declaração garantida por lei, e que independente do fenótipo e leitura social/racial que seja feita de uma pessoa isso se faz irrelevante, ofendendo a todos nós do movimento negro e indígena. 




Figura 2 – Renegam a palavra NEGRO e demonstram falta de conhecimento científico
e das políticas afirmativas brasileiras.

Figura 3: Negro significa escravo?
Sobre as imagens  2 e 3: Percebe-se a concepção racista, pois usam  palavra escravo ou negro para significar apenas que uma pessoa pertence a um senhor ou a uma senhora. Usam a todo tempo termos racistas para se referirem às pessoas negras, como por exemplo, no termo ‘‘mulato’’, subutilizado no  racismo institucional ou híbrido.
Sobre isso, ver leituras como:
 MOORE, Carlos. Racismo e sociedade: Novas bases epistemológicas para entender o racismo. Belo Horizonte, Mazza edições, 2007.
FANNON, Franz. Em defesa da Revolução Africana.Ed. Terceiro Mundo, 1980.  

Figura 4:
Sobre a figura 4: Os ataques também são para quem defende os indígenas comparando esse conjunto de ideias e valores à concepções nazistas, portanto, propagando ódio aos povos originários das terras brasileiras.
Figura 5:
 Sobre a figura 5: As concepções preconceituosas e intolerantes com relação a fé e crença que não se assemelham às concepções do senhor Leão são evidentemente tratadas como “anormais”,  não respeitando nem mesmo a Constituição que nos garante um Estado Laico. Isso já nos explica de onde vem aqueles comportamentos vivenciados na reunião do dia 23 de maio de 2019.